Abro os olhos e nada vejo senão um abismo profundo. Um vazio de nada, com rastos de tudo que me impede de viver o mundo. Estações mudam, aragens suspiram, o calor tépido permanece.
Firme.
Ardente.
Cativante.
Todavia, meu acordar permanece igual.
Inalterado.
Impassível.
Todos os dias se arrastam numa sonolência sedutora, sombriamente melancólicos e enevoados por brumas obscuras e infernalmente sensuais.
No entanto, hoje se iluminou uma nova aurora. Um novo recomeço. Cada dia em que pensei entregar – me ao pecado, em que delirei de amargura e tormento assombrado, esmoreceu em mera memória reluzente no passado. Minhas íris adotaram novas tintas, tendo o futuro abandonado a sua paleta de negro adornada.
E, ao mesmo tempo que sorriso em mim nasce, enfeitiçado pela claridade que lentamente penetrava, minha alma se inunda num sentimento desconhecido, quente, agradável.
Sublime, majestoso, angelical.
A ventura eterna é recompensa tao palpável, tao bondosa, tao deliciosamente me oferecida que prontamente me curvo perante tal esplendor.
Após épocas tempestuosas de batalhas e revoltas, sangue jorrado e tonturas nefastas, por fim sinto que algo me incita a lutar. Um calor talhado a diamante pulsa no meu peito, divinal, sereno, ofuscante, que me prende ao desconhecido que se apresenta a doravante. Lágrimas condensam em canduras, afogando meu ser em macias ternuras. O paraíso afigura-se ilusão alcançável, não existindo qualquer escadaria entre a minha realidade e a utopia fantasiada. Tornados de outro amanhecer transfiguram-se em raios a ouro bordados, serenos, profundos como névoas incendiadas por anjos delicados.
Eu sou rainha, sou nobreza, sou divinizada.
E, pela 1ªvez em minha vida madrasta abro os olhos e, em vez de abismo, sinto proteção.
Uma harmonia de nada, com rastos de tudo. Depois da tempestade, vem a bonança; depois do desejo de trevas sou seduzida pela luz da esperança.