A menina encontrava-se deitada em cima da colcha rosa que embalava a sua cama, com os seus longos cabelos castanhos a emoldurarem o seu magrinho e inocente rosto. Tremia um pouco, é verdade, mas nada que pudesse inquietar outrem. Afinal, era apenas só mais uma vez.
Mas havia algo de curioso em todo aquele cenário. Ela, apesar de ser apenas uma criança, tinha a face cintilante, cristalina, angelical. Quem olhasse com mais atençao, veria que aquele brilho não era algo indulgente, mas sim doloroso.
Angustiante.
A menina mexeu-se um pouco, numa tentativa vã de cessar os tremores e agarrou com ainda mais intensidade o livro que pendia em suas maos. Pela forma que ela o tratava poderia pensar-se que o exemplar se tratava de algum colete salva vidas ou algo semelhante. E, de uma certa forma, até era. Aquele livro era o caminho que ela arranjara para encontrar um pó de esperança na areia daquele deserto em que se sentia. Ao mesmo tempo que lágrimas teimosamente caíam no seu colo, ela desfolhava as suas páginas, uma por uma, com carinho tal e tocante que consumia toda a magia daquele local.
Mais uma doçura, mais uma carícia.
Sempre assim, sem nunca parar.
Todavia, apesar da amargura que lhe dilacerava a sua tão jovem alma, ela transparecia serenidade, calma, nostalgia. A menina esboçava uma alegria tão pura, e simultaneamente tão impossivelmente falsa. Os seus pequeninos olhos terrenos lutavam para fixar as imagens do amigo por entre o nevoeiro. Quando ela conseguia ler as frases nele escritas, ela suspirava com um respirar tão deliciosamente desesperante que cortava o ar.
Mais uma doçura, mais uma carícia.
E assim continuava, por entre dores e salvadores, num pêndulo temporal e mundano.
Nada se ouvia, nada sussurrava. Os únicos ruídos eram os gemidos ocasionais da criança, quando esta já nao aguentava suprimi-los mais. Todo este ritual decorreu sem interrupção até que, sem aviso prévio, a menina fechou ternuramente o livro, beijou a capa e apertou-o contra si, num abraço grato e fraternal. Em seguida, embora trémula, ela levantou-se e deitou-o na estante. Derreteu por ele um último olhar e, com a cara já seca e o brilho de mágoa desvanecido, forçou um cintilante sorriso e, lentamente, saiu do quarto.
(Algures em Portugal, em tempo indeterminado)